Enchentes: Não tirem a serrapilheira,
artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos
Vamos já de início explicar o que é
a serrapilheira, e porque ela pode
ser considerada o símbolo das medidas ditas não estruturais de combate às
enchentes. Bem, de quebra vamos todos também saber que as medidas não
estruturais são aquelas que, inteligentemente, atacam diretamente as causas das
enchentes e não somente suas consequências.
Serrapilheira é aquele espesso
colchão de folhas caídas e restos vegetais que vai se acumulando no chão das
florestas naturais. É a serrapilheira que proporciona a proteção do solo contra
a erosão, dá vida biológica ao solo e o enriquece agronomicamente, torna o solo
mais fofo e permeável. Outra característica formidável da serrapilheira é
absorver ela própria de imediato uma grande quantidade de água das chuvas,
reduzindo em muito o volume de água que escorre sobre a superfície do solo e
que acabaria chegando aos cursos d’água. Importante aqui também saber que as
florestas são os espaços que maior capacidade tem de absorver águas de chuva,
chegando essa capacidade a até 80% do volume de um temporal.
Sobre as principais causas de nossas enchentes urbanas não há hoje mais
a menor dúvida sobre quais sejam: a impermeabilização generalizada da cidade, o
excesso de canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão de
nossas drenagens pelo volumoso assoreamento provocado pelos milhões de metros
cúbicos de sedimentos que anualmente provém dos intensos processos erosivos que
ocorrem nas frentes periféricas de expansão urbana. Esse quadro determina o que
podemos chamar a equação das enchentes urbanas:“Volumes crescentemente maiores de água, em tempos
sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas
progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.
Diante de um cenário assim colocado,
qual seria a providência mais inteligente e imediata para combater as enchentes
(e que estranhamente as administrações públicas, todas muito simpáticas às
grandes obras e aos seus impactos político-eleitorais, não adotam)? Claro, sem
dúvida, concentrar todos os esforços em reverter a impermeabilização das
cidades fazendo com que toda a região urbanizada recupere sua capacidade
original de reter as águas de chuva, seja por infiltração, seja por acumulação.
Concomitantemente, promover um intenso combate técnico à erosão
provocada por obras pontuais ou generalizadas de terraplenagem. Ou seja, fazer
a lição de casa, parar de errar. Para tanto, há que haver a necessária
disposição de se promover uma radical mudança na cultura técnica que vem até
hoje comandando o crescimento de nossas cidades, e que confunde a noção de
limpeza com a noção da impermeabilização, e que acha que os processos erosivos,
frutos do uso intensivo da terraplenagem, são inevitáveis e até aceitáveis.
Tomada a decisão dessa mudança cultural, haverá à mão, inteiramente já
desenvolvido, um verdadeiro arsenal de expedientes e dispositivos técnicos para
que esse esforço de redução do escoamento superficial das águas de chuva seja
coroado de sucesso: calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos
drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, reservatórios para
acumulação e infiltração de águas de chuva em prédios, empreendimentos
comerciais, industriais, esportivos, de lazer, multiplicação dos bosques
florestados, ocupando com eles todos os espaços públicos e privados livres da
cidade. E, para esse último caso, como marca de nossa inteligência, e símbolo
da necessária mudança da cultura técnica urbana, esses bosques não mais teriam
sua serrapilheira absurdamente raspada, varrida e removida pelos serviços
públicos e privados de limpeza pública, como hoje acontece, mas sim protegida,
conservada e, porque não, reverenciada pelo bem que irá nos fazer.
Diga-se de passagem que a decisão de
manutenção da serrapilheira não exige nenhum dispositivo legal para acontecer,
é uma iniciativa que pode desde já didaticamente ser adotada por nossos
paisagistas, arquitetos, urbanistas, líderes comunitários, ou quaisquer
cidadãos que possam ter algum poder de influência sobre um espaço urbano privado
ou público.
Ah…, aproveitem para também plantar mais
algumas árvores, de forma a conformar um bosque florestado mais compacto quanto
possível.
A Serapilheira. Um colchão de restos vegetais no chão das florestas e bosques florestados. Enriquece e torna o solo mais fofo e permeável. Ela própria absorve grande parte das águas de chuva.
Uma pequena praça. Há milhares desses espaços, públicos e privados, em toda a metrópole. E mais milhares podem ser criados. O comum hoje: limpeza e chão batido. Errado, praticamente toda a água de chuva escorre pela superfície e vai para o sistema de drenagem colaborando para as enchentes.
Como deveria ser. Preservando a serapilheira, absorvendo a água de chuva, tornando o solo mais permeável. É o que seria correto. E se plantar mais algumas árvores, melhor ainda.
Geól. Álvaro Rodrigues dos
Santos
fonte: http://www.ecodebate.com.br
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