ÁRVORES BRASILEIRAS
O cenário de Caminha
Há 18 anos, o engenheiro agrônomo Harri Lorenzi recupera em livros e em viveiros de plantas a paisagem do Descobrimento
O cenário de Caminha
Há 18 anos, o engenheiro agrônomo Harri Lorenzi recupera em livros e em viveiros de plantas a paisagem do Descobrimento
Pela
rota do engenheiro agrônomo Harri Lorenzi, aumentou muito nesses 500 anos o
tempo de viagem para quem quer descobrir o Brasil. Pedro Álvares Cabral levou
menos de seis semanas. Lorenzi procura há mais de 18 anos aquele "arvoredo
tanto, e tamanho, e tão basto, e de tanta folhagem, que não se pode
calcular", descrito por Pero Vaz de Caminha. Desde 1981, ele pesquisa,
identifica, fotografa e reproduz em viveiro árvores nativas, juntando uma
paisagem que se espalhou pelo país em retalhos cada vez mais esparsos. Isso lhe
custa viajar em média 80 mil quilômetros por ano. Só a sucupira-amarela exigiu
10 mil quilômetros de buscas. Muitas árvores não achou até hoje. Mas o
pau-santo, depois de 15 anos, é o seu troféu favorito: "Quando topei com o
primeiro, fiquei maravilhado. Ele ocorre muito raramente na Serra da Bodoquena,
quase na fronteira com a Bolívia. Dele, só conseguimos tirar até agora meia
dúzia de mudas", diz.
O descobrimento, para Lorenzi, "é um projeto sem fim". Começou por acaso, quando trabalhava para a Copersucar, encarregado da restauração de matas ciliares nas bordas dos canaviais em São Paulo. Tinha de arborizar margens de rios e reservas nas usinas da cooperativa. Sem que a lei exigisse, tomou a iniciativa de fazer o reflorestamento com mudas brasileiras. Não adiantava encomendá-las aos viveiros paulistas, que só lhe ofereciam espécies exóticas. O remédio foi buscá-las na natureza, onde o cenário original do país anda tão rarefeito que era preciso colher amostras na beira de um precipício sem fundo chamado extinção. Juntou 1.004 espécies. Muitas constavam apenas dos álbuns dos artistas que ilustraram expedições de naturalistas no século passado.
Lorenzi tornou-se, portanto, herdeiro direto de Rugendas, Florence e Taunay, retratistas do Brasil ainda jovem. "A velocidade do desaparecimento é tanta que às vezes fico angustiado com a falta de tempo", lamenta ele. Testemunhou, no oeste da Bahia, o enterro do cerrado, sob fazendas de soja que não poupam nada do que encontram pelo caminho.
Assim surgiu, em 1992, o primeiro volume de Árvores Brasileiras, Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil, com 352 espécies. Sete anos depois, multiplicou-se em dois volumes e 704 árvores. Há outras 300 na fila de um terceiro volume. Era obra técnica, destinada a especialistas e feita para ter crescimento literalmente vegetativo. Lorenzi só publica o que cultiva com sucesso em seu horto particular de Nova Odessa (SP). O livro escalou sozinho a prateleira dos best-sellers. Vendeu mais de 60 mil exemplares, a R$ 80 o volume. É tão raro em livrarias quanto pau-brasil em praça pública. Para comprá-lo, só ligando para a editora Plantarum, que atualmente está plantada na Internet, mas antes se escondia na casa do autor. Lorenzi, que cuida pessoalmente de tudo - da fotografia à paginação -, considera-se até hoje "péssimo vendedor". Aliás, também não acha que seja editor: "No primeiro livro usei fundo cor-de- abóbora. Quem entende de artes gráficas não faz uma coisa dessas". Mas cinco anos atrás descobriu que seu salário de agrônomo na Copersucar não dava um quinto do que os livros lhe rendiam. Largou o emprego e virou caçador de árvores em tempo integral.
O descobrimento, para Lorenzi, "é um projeto sem fim". Começou por acaso, quando trabalhava para a Copersucar, encarregado da restauração de matas ciliares nas bordas dos canaviais em São Paulo. Tinha de arborizar margens de rios e reservas nas usinas da cooperativa. Sem que a lei exigisse, tomou a iniciativa de fazer o reflorestamento com mudas brasileiras. Não adiantava encomendá-las aos viveiros paulistas, que só lhe ofereciam espécies exóticas. O remédio foi buscá-las na natureza, onde o cenário original do país anda tão rarefeito que era preciso colher amostras na beira de um precipício sem fundo chamado extinção. Juntou 1.004 espécies. Muitas constavam apenas dos álbuns dos artistas que ilustraram expedições de naturalistas no século passado.
Lorenzi tornou-se, portanto, herdeiro direto de Rugendas, Florence e Taunay, retratistas do Brasil ainda jovem. "A velocidade do desaparecimento é tanta que às vezes fico angustiado com a falta de tempo", lamenta ele. Testemunhou, no oeste da Bahia, o enterro do cerrado, sob fazendas de soja que não poupam nada do que encontram pelo caminho.
Assim surgiu, em 1992, o primeiro volume de Árvores Brasileiras, Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil, com 352 espécies. Sete anos depois, multiplicou-se em dois volumes e 704 árvores. Há outras 300 na fila de um terceiro volume. Era obra técnica, destinada a especialistas e feita para ter crescimento literalmente vegetativo. Lorenzi só publica o que cultiva com sucesso em seu horto particular de Nova Odessa (SP). O livro escalou sozinho a prateleira dos best-sellers. Vendeu mais de 60 mil exemplares, a R$ 80 o volume. É tão raro em livrarias quanto pau-brasil em praça pública. Para comprá-lo, só ligando para a editora Plantarum, que atualmente está plantada na Internet, mas antes se escondia na casa do autor. Lorenzi, que cuida pessoalmente de tudo - da fotografia à paginação -, considera-se até hoje "péssimo vendedor". Aliás, também não acha que seja editor: "No primeiro livro usei fundo cor-de- abóbora. Quem entende de artes gráficas não faz uma coisa dessas". Mas cinco anos atrás descobriu que seu salário de agrônomo na Copersucar não dava um quinto do que os livros lhe rendiam. Largou o emprego e virou caçador de árvores em tempo integral.
Lorenzi nunca recebeu um tostão de ajuda oficial para fazer esse guia nostálgico do Brasil que não está mais no mapa. Em compensação, mais de uma vez foi parado em estrada por não ter licença do Ibama para o transporte de mudas, aprendendo que "aqui às vezes devastar é mais fácil do que cultivar". Recebe, pelo correio ou por e-mail, a média de 500 consultas por semana. São escolas, universidades e agências governamentais pedindo livros e plantas. As mudas, ele dá. Os livros, nem sempre. Só se queixa das ocasiões sem conta em que flagrou reproduções de suas imagens em trabalhos alheios: "Outro dia, dei uma batida na Internet. Em meia hora, achei 12 exemplos de pirataria. E o pior é que a maioria era feita por gente do governo".
Vivendo de direitos autorais sem deixar de ser um ilustre desconhecido, ele foge de publicidade. "Para o que eu faço, ser muito conhecido só atrapalha. Vivo invadindo a propriedade dos outros para colher amostras. Prefiro que não saibam quem eu sou", explica. No Pará, já foi expulso a tiros por dois homens armados. Pulara a cerca do que lhe parecia um pasto abandonado para inadvertidamente fotografar árvores no front da luta pela terra. Viaja quase sempre na companhia de um botânico capaz de escalar qualquer tronco. Gasta cerca de R$ 5 mil por excursão, pagando guias, barcos e passagens. Vive a bordo de um jipe Pajero, novo, mas sempre tingido de barro e poeira, carregado como caminhão. Aos 50 anos, dá a impressão de ser ele próprio o resultado de um enxerto. Usa caneta Cartier de ouro e botinas de elástico. Fala com sotaque meio caipira e vocabulário recheado pelo latim das classificações científicas. Tem cinco livros publicados pela Plantarum e já deu aula em Harvard, mas aos 17 anos estava empacado no antigo primeiro grau.
Nessa época, inscreveu sua roça de milho num concurso agrícola em Corupá, Santa Catarina, onde seus pais vivem. "É uma região fantástica, no pé da Serra do Mar, onde até hoje se retira das matas a madeira de construção sem derrubar a floresta inteira", conta. Nisso, considera-se privilegiado: "Posso voltar ao lugar onde nasci e encontrar as coisas como eram na minha infância". Quem premiou seu milharal foi um técnico agrícola cujo nome jamais saiu de seu currículo: Dejair Pereira. "Ele me perguntou por que eu não terminava os estudos. Foi como um empurrão. Saí correndo para me matricular às vésperas de começarem as aulas."
No primeiro ano, tirou 10 em todas as matérias e o aconselharam a ulprapassar o antigo segundo grau num curso de madureza. Tirou diploma em um ano. Inscreveu-se no exame de um colégio agrícola em Araquari. Passou em primeiro lugar. Um ano depois, fez vestibular para Agronomia em Curitiba. Outro primeiro lugar. Ganhou bolsa para o mestrado no Tennessee, nos Estados Unidos. Só não emendou no PhD porque, a seu ver, "estava ficando velho demais para estudar".
Ultimamente, cultiva o projeto de fazer um jardim botânico que seja "um manifesto contra os jardins botânicos existentes no país". Ali, promete que todas as plantas "terão nome, com placas bem pesadas para ninguém tirar", para apresentar aos visitantes as árvores do Brasil. Os brasileiros, segundo Lorenzi, não sabem o nome das plantas nativas porque vivem cada vez mais longe delas: "Nos Estados Unidos, a gente vê crianças nos parques com os pais lhes ensinando como as árvores se chamam. Aqui quase só se plantam espécies importadas. Os portugueses trouxeram jaqueiras, mangueiras e flamboiaiãs, que agora parecem mais típicas do país do que nossas próprias árvores. Pelo menos 80% de nossa flora urbana é exótica. É pena, pois bastaria usar árvores brasileiras em paisagismo para garantir sua preservação".
Harri Lorenzi não é propriamente um ambientalista. Já foi perito em erradicação de ervas daninhas, assunto de seu primeiro livro, patrocinado pela Cyanamid, fabricante de pesticidas. Também não é um botânico. Recentemente, espantou-se quando na platéia de um congresso internacional um americano pediu verbas para catalogar as árvores brasileiras antes que elas se acabem: "De que adianta coletar uma planta extinta?" Sua especialidade é outra: simplesmente descobrir o Brasil.
Marcos Sá Corrêa
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